sábado, 24 de maio de 2008

TÁ DOIDÃO TIO!

Senta na grama do pasto, pega o isqueiro e acende um baseado. O sol se põe rubro e leva consigo o dia. Passa a mão nos cabelos ressecados. Enche o peito com a doce fumaça. Segura um pouco e logo explode em cores e sons. Os olhos viajam acompanhando duas andorinhas que passam num vôo rasante. Grilos invisíveis enchem seus ouvidos. Nuvenzinhas coloridas simulam um strip-tease no horizonte e depois somem entre as montanhas. Uma vaca o encara de uma distância segura. Seus olhos se encontram, mas logo se distraem com outras sensações. Novamente enche o peito de fumaça, mas por mais que a segure sente que o sonho está fugindo. Não há grandes causas a defender. Vietnam. Guerra fria. Berlim sem muro. Che enterrado. Fidel aposentado. Lula presidente. Eric Clapton, Novos Baianos, todos caretas. Bangladesh já não exporta gurus. Solos pink-floydianos em louvores neo-pentecostais. Guns n´roses soa pré-histórico para a geração que navega na internet e curte Bjork. Alguns meninos jogam bola do outro lado da cerca. Um chute mais forte faz com que a bola quase o acerte. Gritam – chuta a bola tio! Ele não os ouve. Um menino vem resgatar a bola e comenta: “tá doidão tio”! Pega a bola e volta para junto dos amigos fazendo embaixadinhas. Outros tempos. Outro mundo. Põe o isqueiro no bolso e, desajeitado, amarra os cadarços do tênis. Abre a surrada mochila deitada ao seu lado e retira um pequeno aparelho de MP3. Coloca os fones nos ouvidos e, ao prender o aparelho no cinto, lê para si mesmo – made in China. Levanta, põe a mochila nas costas e sai gingando o corpo, procurando se equilibrar. Aperta o botão de play e começa a ouvir um velho e surrado blues enquanto caminha do passado para o agora do campinho de futebol...

quarta-feira, 7 de maio de 2008

PÁGINA EM BRANCO

Phillip Glass enche meus ouvidos com suas melodias. À minha direita uma janela aberta para uma noite sem estrelas. No chão, o ventilador gira as pás e joga um pouco de vento agitando os cabelos que restam. Das estantes os livros observam o clarão do monitor que, lentamente, linha após linha, é preenchido por palavras. Escrever é um ato solitário. A vida é uma jornada solitária. Mesmo convivendo com seis bilhões de humanos arrastamo-nos como moluscos, sem conseguir abandonar a segurança da casa que carregamos e que pesa cada vez mais à medida que a preenchemos com nossos falsos conceitos do que deve ser a vida. Arrastamos séculos de idéias prontas e preconceitos. Alguns de nós lemos centenas ou até milhares de livros, participamos de seminários, de grandes debates de idéias, elaboramos teorias, imaginamos soluções para tudo, mas eis que um dia, ou quem sabe uma noite, sentados em algum canto, abrimos as mãos e as vemos vazias, tudo eram apenas cinzas da fogueira que nos consome e, agora, são espalhadas pela ventania do tempo que tudo arrasta consigo.

Enquanto digito meus questionamentos vejo que dois milhões de visitantes foram atraídos ao Festival da Neve de Sapporo, no Japão. Em Bagdá Angelina Jolie pede ajuda para dois milhões de refugiados. Chaves ameaça parar de enviar petróleo aos Estados Unidos. A China festejou o ano novo e eu já me sinto novamente vivendo o velho ano de sempre. Verão, outono, inverno. Haverá primavera? Certamente. Os ciclos se repetem. A história se repete, mesmo que repaginada, vestida com o sonho do momento.

Nós passamos. Esquecemos. Aprendemos tão pouco.

Passamos e deixamos uma grande página em branco...

terça-feira, 6 de maio de 2008

ÀS MARGENS DO ITAPOCU

(Publicado no livro "Crônicas Jaraguaenses" - design editora - 2007)

O mundo chora Pavarotti. Sento à margem do Itapocu, cercado de Jaraguá. Ouço, vindo de uma janela da casa do outro lado do rio, Torna a Surriento, na forte voz do tenor. O céu está azul, um vento suave roça meus cabelos e as primeiras andorinhas brincam sobre as águas, prenúncio da primavera que se aproxima. Alguns canários ensaiam os primeiros trinados, mas, a cada primavera que se aproxima, o mundo fica mais pobre, pois lhe faltam vozes para cantar a força da vida, faltam águas ao rio que expõem as pedras nuas. As águas que trouxeram os primeiros colonizadores há muito evaporaram e suas canoas permanecem nos sonhos e nos quadros da Arlete. O mesmo rio que um dia refletiu Emílio, o homem que escreveu a história dos que aqui chegaram, carrega hoje o lixo que descartamos às suas margens. Fernando Pessoa amava o rio que passava por sua aldeia e o achava mais belo que o Tejo, apenas por ser o rio que passava por sua aldeia. E nós, amamos o rio que passa por nossa aldeia, a progressista e bela aldeia que construímos no vale? Pavarotti agora canta Mamma e pela janela que solta sua voz esvoaça uma branca cortina de renda. A casa do outro lado do rio é uma casa de sonho, ainda não foi atingida pelo corre-corre dos turnos das fábricas que a cercam, nem embarcou nos apressados ônibus que despejam multidões de operários bocejantes às portas das indústrias. Uma garça branca pousa numa pedra, lá longe, quase na curva do rio, e vista daqui parece uma frágil bandeira pedindo uma trégua. Funiculi-Funiculá, meus ouvidos viajam e os olhos procuram por dançarinos no ar, mas o que vejo é o vento levando uma folha de jornal por sobre o gramado, notícias de ontem que serão esquecidas amanhã. Fecho os olhos e me transporto para um outro tempo, tempo em que os bugres pescavam nas águas desse mesmo rio e nós nem sabemos como o chamavam. Depois vieram os bugreiros, com suas armas de fogo e com seu medo, abrindo estradas, construindo casas, a mata dando lugar aos pastos e às roças. Os bugres que não foram caçados sumiram na mata sem deixar vestígios. O rio que tudo espelha, mas não tem memória, também os esqueceu. Abro os olhos e já não há mais rio, nem Pavarotti, pela janela vejo que já escureceu. Ouço agora um canto vindo lá de Guaramirim. Ou será minha loucura? Aqualung, do Jethro Tull, na voz do Tiago. Duas lágrimas caem no teclado. Já não sei por quem choro: Pavarotti, rio Itapocu ou por mim mesmo. Meus dedos viajam sobre o teclado. Já é sete de setembro e o Carlos está calvo de me pedir para cumprir o prazo na entrega da crônica...

domingo, 4 de maio de 2008

POEMA SEM LEI

(publicado no livro CATARSE - editora da apeijas/2005)

Palavras sem nexo

talvez,

mas quentes

como um beijo,

fortes

como um abraço,

acolhedoras

como um útero,

venenosas

como uma serpente.

Manchetes de jornal

em tipos-sangue,

tipos grafi-pavor,

horror-realidade,

fatalidades,

destino inconsciente

de quem se diz racional.

Mas há palavras, sim,

traçadas no rosto,

esculpidas nos calos,

assim como um membro

teso,

preso entre as cochas,

arrebentando a carne,

mas expresso

num geme-sorriso

de quem não quer

mas pede mais.

Num ejacular constante

de palavras,

cuja forma e cor

não mudam,

poeta após poeta

enchem linhas

com frases mágicas,

trágicas.

Frases proscritas são ditas,

dia-a-dia,

no prostíbulo humano.

É foda

bater ponto,

enfrentar filas,

julgar sendo julgado

pelo mais vil dos pensadores.

A caixa registradora

computando fracassos,

o caixa-deus

traçando destinos

de homens numerados,

programados, racionais.

A mão sagrada

apertando teclas,

apalpando seios,

coçando pentelhos,

disparando bombas,

pedindo clemência

e escrevendo versos.

A boca torcida

pedindo carícias,

falando besteiras,

soltando a língua,

procurando a vagina,

mas também

piedosa,

clamando as graças

da Virgem Santa

aos pés de uma prostituta.

O humor negro

nos pensamentos,

decepando crianças,

estuprando freiras,

matando de fome,

congelando grávidas

esperanças

de um amanhã sem medo.

Mas é preciso escrever

mais,

sempre mais,

até que cada célula

tenha como núcleo uma mensagem.

É preciso se recompor

a cada bomba,

juntar cada pedaço,

voltar à caverna,

respirar a água feito um peixe,

e a vida

qual feixe de luz

atravessando tudo,

revivendo cada átomo.

sábado, 3 de maio de 2008

BATALHA

Carros posicionados. Homens prontos para canhonear. Cavalos relincham nervosos, lançam jatos de vapor no ar gelado. Espadas desembainhadas emitem reflexos prateados. Silêncio total. Olhos fixos no horizonte procuram o inimigo invisível. Tambores mudos aguardam o sinal do ataque. O sol alto não aquece, apenas ilumina. O general cai do cavalo e acorda assustado. Debate-se entre os lençóis. Um filete de suor frio nas costas. Não está só. Ouve a respiração do corpo que dorme ao lado. Os passos das sentinelas no pátio do quartel o devolvem à realidade. Os números esverdeados do relógio marcam quatro horas. Falta uma hora para começar o dia. A cabeça está confusa. Há cães ladrando distantes, fora dos muros. A cabeça quase explode e lhe relembra várias garrafas de vinho. Na névoa das recordações um rosto quer se mostrar. Não tem coragem para encará-lo. Sente-se nu. Lutou mil batalhas, mas sente que perderá essa. Falta-lhe coragem para encarar o outro lado da cama. Desfilam em sua cabeça batalhões de soldados rasos. Seus filhos, suas crianças. Quer levantar e acender a luz. O corpo não obedece. O coração dispara descompassado. A mão tateia, procura. Quando toca na pele macia o coração tambor dá a última batida. Fim da batalha. Mergulha nas trevas iluminadas. Um soldado acorda assustado. Veste a farda e sai cabisbaixo do dormitório...

COMPOSIÇÕES MUSICAIS

MINHA HISTÓRIA
Letra: Gil Salomon
Música em parceria com Cícero Jerônimo da Silva
Arranjo: Tiago Wickmann

COMPOSIÇÕES MUSICAIS

RENASCER
Letra: Gil salomon
Música: Tiago Wickmann


SONHO

Garganta seca

Areia nos olhos

Cadeira caída

Estrela cadente

A última

Néon no shopping

Pegadas no deserto

Xampu para cabelos ressecados

Água-miragem

Bolsa arrancada

Boca famélica

Batom rubro

Calcinhas roubadas

Cueca virada

Orelha de gato

Sonho de valsa

Viena desencantada

Dois mil e um

Odisséia

Zaratustra

Sem platéia

Nietzche no altar

Milagre

Pescador sem sandálias

Salada de hibiscos

Prato rachado

Mesa sem toalha

Criança largada

Sacada inocente

Multidão

Cabeça sem cérebro

Cama vazia

Coberta largada

Lençol freático

Água parada

Desejo proibido

Sonho erótico

Corpo estendido

Caixão esquecido

Mármore

Cinzel largado

Aleijadinho

Ouro preto

Ladeiras

Panela no fogo

Senzala lacrada

Pelourinho

Seios desnudos

Sangue escorrendo

Câmaras de gás

Coca cola

Pipoca

Pica-pau

Matinê

Ejaculação precoce

Mão na virilha

Culpa

Prazer

Pecado

Lazer

Chuva de outono

Águas de maio

Barco que afunda

Vestido de chita

Flutuando vermelho

Sonho sem lógica

Ordeno ao cérebro

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