terça-feira, 6 de maio de 2008

ÀS MARGENS DO ITAPOCU

(Publicado no livro "Crônicas Jaraguaenses" - design editora - 2007)

O mundo chora Pavarotti. Sento à margem do Itapocu, cercado de Jaraguá. Ouço, vindo de uma janela da casa do outro lado do rio, Torna a Surriento, na forte voz do tenor. O céu está azul, um vento suave roça meus cabelos e as primeiras andorinhas brincam sobre as águas, prenúncio da primavera que se aproxima. Alguns canários ensaiam os primeiros trinados, mas, a cada primavera que se aproxima, o mundo fica mais pobre, pois lhe faltam vozes para cantar a força da vida, faltam águas ao rio que expõem as pedras nuas. As águas que trouxeram os primeiros colonizadores há muito evaporaram e suas canoas permanecem nos sonhos e nos quadros da Arlete. O mesmo rio que um dia refletiu Emílio, o homem que escreveu a história dos que aqui chegaram, carrega hoje o lixo que descartamos às suas margens. Fernando Pessoa amava o rio que passava por sua aldeia e o achava mais belo que o Tejo, apenas por ser o rio que passava por sua aldeia. E nós, amamos o rio que passa por nossa aldeia, a progressista e bela aldeia que construímos no vale? Pavarotti agora canta Mamma e pela janela que solta sua voz esvoaça uma branca cortina de renda. A casa do outro lado do rio é uma casa de sonho, ainda não foi atingida pelo corre-corre dos turnos das fábricas que a cercam, nem embarcou nos apressados ônibus que despejam multidões de operários bocejantes às portas das indústrias. Uma garça branca pousa numa pedra, lá longe, quase na curva do rio, e vista daqui parece uma frágil bandeira pedindo uma trégua. Funiculi-Funiculá, meus ouvidos viajam e os olhos procuram por dançarinos no ar, mas o que vejo é o vento levando uma folha de jornal por sobre o gramado, notícias de ontem que serão esquecidas amanhã. Fecho os olhos e me transporto para um outro tempo, tempo em que os bugres pescavam nas águas desse mesmo rio e nós nem sabemos como o chamavam. Depois vieram os bugreiros, com suas armas de fogo e com seu medo, abrindo estradas, construindo casas, a mata dando lugar aos pastos e às roças. Os bugres que não foram caçados sumiram na mata sem deixar vestígios. O rio que tudo espelha, mas não tem memória, também os esqueceu. Abro os olhos e já não há mais rio, nem Pavarotti, pela janela vejo que já escureceu. Ouço agora um canto vindo lá de Guaramirim. Ou será minha loucura? Aqualung, do Jethro Tull, na voz do Tiago. Duas lágrimas caem no teclado. Já não sei por quem choro: Pavarotti, rio Itapocu ou por mim mesmo. Meus dedos viajam sobre o teclado. Já é sete de setembro e o Carlos está calvo de me pedir para cumprir o prazo na entrega da crônica...

Um comentário:

Tiago Carpes do Nascimento disse...

Blz Gil...
Eu simpatizo com aquela casinha.
Acabo de voltar da empresa, estou enfim livre do corre corre. hehe.
Abraço.