A CONSTRUÇÃO DA VIOLÊNCIA (FL.SCHROEDER 15/06/09)
Gil Salomon
Ouço “Clair de Lune”, de Claude Debussy. Dirijo-me à janela para ver a lua, mas abrindo-a sinto no rosto o vento frio e algumas gotas de chuva. Fecho meu casaco e sinto um arrepio, daqueles de gelar até os ossos. Respiro o medo da cidade.
Até a pouco falávamos na velocidade com que recebíamos as notícias do mundo. Hoje as recebemos em tempo real. Assistimos ao vivo os bombardeios de Bagdá, os tiroteios nas favelas cariocas, as missas do Papa, os papos sem conteúdo do “Big Brother Brasil”, etc, etc, etc... Desenvolvemos uma curiosidade mórbida pela violência, protegidos frente as nossas telas de alta resolução, comendo salgadinhos e tomando a bebida da moda. Os dirigentes do espetáculo garantem, em longos discursos, que toda violência se justifica na busca eterna da paz. Paz jamais alcançada, ou, se alcançada é por pequenos períodos de tempo.
Somos, conforme muitas tradições religiosas, a imagem e semelhança de deus, o supra-sumo da criação, o mais alto grau evolutivo das espécies que habitam este planeta e, ao nascermos, somos comparados a inocentes anjinhos. O que nos transforma em adultos violentos, destituídos de qualquer sentimento de compaixão? Falamos muito em amor, comercializamos produtos em nome do amor, mas não amamos nem a nós mesmos, pois se o fizéssemos não nos degradaríamos tanto na busca de objetivos que apenas nos animalizam, que buscam apenas a satisfação dos nossos mais baixos instintos, instintos que, por termos a capacidade de dominá-los geram o diferencial em relação aos demais seres vivos. Nos animais os instintos não produzem violência, servem para a preservação da espécie, nos seres humanos quando colocamos nossa inteligência a serviço dos instintos criamos monstros que colocam em risco a sobrevivência da própria terra.
Num exame de consciência descobrimos que nos tornamos filhos do medo. Desde o nascimento somos cercados pelo medo, o medo dos nossos pais que temem que não sobrevivamos, o medo de que se esqueça de nos aplicarem as vacinas corretas, o medo de que nos sufoquemos durante o sono. Mais tarde o medo de que possamos nos machucar ao darmos os primeiros passos, o medo de que não estejamos dentro dos parâmetros da normalidade e assim por diante. Nossas primeiras lembranças são de milhões de nãos: não pegue nisso que dá choque, não suba aí que você poderá cair, não fale essas palavras que são feias, não coma isso, pois lhe fará mal. De não em não crescemos e conosco cresce o medo, e o medo nos coloca na defensiva ou no ataque preventivo. Acreditamos piamente que a melhor defesa é o ataque. Vivemos competindo uns com os outros. Adultos, desenvolvemos outros medos: de nos acharem diferente, de não vencermos profissionalmente, de não sermos atraentes sexualmente, de contrairmos alguma doença, de enfrentar os mistérios da existência e das suas razões, o medo do que nos reserva a morte - e assim de medo em medo construímos nossa personalidade e nosso caráter, ou a falta dele. A soma de todos esses medos nos torna violentos e agressivos. Agredimos os colegas de trabalho na busca de posições superiores e melhor remuneradas; agredimos os semelhantes nas mais diversas situações: seja no trânsito, na fila de banco, num supermercado. Agredimos nossos familiares impondo nossas idéias, nossas vontades. Matamos desta forma qualquer possibilidade de ternura e compaixão que poderiam nos libertar deste círculo vicioso que criamos ao alimentar nossos medos.
Gil Salomon
Ouço “Clair de Lune”, de Claude Debussy. Dirijo-me à janela para ver a lua, mas abrindo-a sinto no rosto o vento frio e algumas gotas de chuva. Fecho meu casaco e sinto um arrepio, daqueles de gelar até os ossos. Respiro o medo da cidade.
Até a pouco falávamos na velocidade com que recebíamos as notícias do mundo. Hoje as recebemos em tempo real. Assistimos ao vivo os bombardeios de Bagdá, os tiroteios nas favelas cariocas, as missas do Papa, os papos sem conteúdo do “Big Brother Brasil”, etc, etc, etc... Desenvolvemos uma curiosidade mórbida pela violência, protegidos frente as nossas telas de alta resolução, comendo salgadinhos e tomando a bebida da moda. Os dirigentes do espetáculo garantem, em longos discursos, que toda violência se justifica na busca eterna da paz. Paz jamais alcançada, ou, se alcançada é por pequenos períodos de tempo.
Somos, conforme muitas tradições religiosas, a imagem e semelhança de deus, o supra-sumo da criação, o mais alto grau evolutivo das espécies que habitam este planeta e, ao nascermos, somos comparados a inocentes anjinhos. O que nos transforma em adultos violentos, destituídos de qualquer sentimento de compaixão? Falamos muito em amor, comercializamos produtos em nome do amor, mas não amamos nem a nós mesmos, pois se o fizéssemos não nos degradaríamos tanto na busca de objetivos que apenas nos animalizam, que buscam apenas a satisfação dos nossos mais baixos instintos, instintos que, por termos a capacidade de dominá-los geram o diferencial em relação aos demais seres vivos. Nos animais os instintos não produzem violência, servem para a preservação da espécie, nos seres humanos quando colocamos nossa inteligência a serviço dos instintos criamos monstros que colocam em risco a sobrevivência da própria terra.
Num exame de consciência descobrimos que nos tornamos filhos do medo. Desde o nascimento somos cercados pelo medo, o medo dos nossos pais que temem que não sobrevivamos, o medo de que se esqueça de nos aplicarem as vacinas corretas, o medo de que nos sufoquemos durante o sono. Mais tarde o medo de que possamos nos machucar ao darmos os primeiros passos, o medo de que não estejamos dentro dos parâmetros da normalidade e assim por diante. Nossas primeiras lembranças são de milhões de nãos: não pegue nisso que dá choque, não suba aí que você poderá cair, não fale essas palavras que são feias, não coma isso, pois lhe fará mal. De não em não crescemos e conosco cresce o medo, e o medo nos coloca na defensiva ou no ataque preventivo. Acreditamos piamente que a melhor defesa é o ataque. Vivemos competindo uns com os outros. Adultos, desenvolvemos outros medos: de nos acharem diferente, de não vencermos profissionalmente, de não sermos atraentes sexualmente, de contrairmos alguma doença, de enfrentar os mistérios da existência e das suas razões, o medo do que nos reserva a morte - e assim de medo em medo construímos nossa personalidade e nosso caráter, ou a falta dele. A soma de todos esses medos nos torna violentos e agressivos. Agredimos os colegas de trabalho na busca de posições superiores e melhor remuneradas; agredimos os semelhantes nas mais diversas situações: seja no trânsito, na fila de banco, num supermercado. Agredimos nossos familiares impondo nossas idéias, nossas vontades. Matamos desta forma qualquer possibilidade de ternura e compaixão que poderiam nos libertar deste círculo vicioso que criamos ao alimentar nossos medos.
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