domingo, 29 de novembro de 2009

NOITE

NOITE (FL.SCHROEDER 21/08/09)

Gil Salomon

A noite foi se instalando lentamente, sorrateiramente. Nem percebemos quando começou a escurecer. Há tão pouco tempo corríamos como crianças, absortos em nossa primitiva irresponsabilidade. Rolávamos nossa inocência e nossa ignorância pelos gramados e encostas do mundo. Descemos das árvores, firmamos nossas frágeis pernas e exploramos as savanas. Buscamos a segurança das cavernas, mas logo começamos a construir as primeiras cabanas. Alguns galhos trançados cobertos com folhas a nos proteger do sol e das intempéries. Nômades, fomos descobrindo o mundo, coletando alimentos e buscando segurança para nossa prole. Do animal que nos gerou foi, lentamente, despertando rudimentos de consciência. Começamos a perceber e a nos encantar com o que nos cercava. Nossas fisionomias refletidas nos límpidos córregos de então ainda não entendiam a magia que nos envolvia. Uma lenta aurora, uma frágil luz, nos levava em direção ao entendimento da passagem do tempo. Provamos do fruto da árvore da ciência, o fruto proibido descrito no Gênesis bíblico.
Os grunhidos da fera deram lugar as primeiras palavras e com elas uma tentativa de entender o tosco universo em que vivíamos. Qual terá sido a primeira palavra que pronunciamos? Em que momento da nossa caminhada conseguimos formular as primeiras perguntas? Quando a linguagem deixou de ser um elemento apenas de comunicação a serviço da sobrevivência do grupo e passou a descrever sentimentos, histórias e foi posta a serviço do belo?
Milênios depois nós percebemos que vivíamos numa grande e lendária babel. Tornamo-nos diferentes, física e culturalmente. Numa tentativa de entender os mistérios do universo o povoamos de entidades abstratas e as chamamos de deuses. Potencializamos nesses deuses nossas próprias qualidades e vícios. Criamos religiões fortemente atreladas ao domínio político das tribos ou nações que iam se formando. Em nossa primeva ignorância, em sacrifício aos deuses, oferecíamos os frutos do trabalho, animais e, em algumas culturas, até imolávamos seres humanos para aplacar sua ira.
Das manifestações artísticas rabiscadas nas paredes das cavernas, numa tentativa de contar as gerações futuras sobre a rotina dos seus dias, até nossas modernas galerias de arte, continuamos ávidos por deixar nossa marca no tempo. Dos primeiros registros conhecidos da escrita suméria, cuneiforme, às nuvens digitais que procuram armazenar todo o conhecimento humano, percebe-se a insaciável curiosidade do espírito humano. Acumulamos tanto saber, porém falta-nos ainda a sabedoria para usarmos esse saber em benefício próprio.
Pensando nas primeiras flautas, esculpidas em ossos, e na percepção musical do vento nas montanhas, savanas ou geladas estepes, e comparando-as aos modernos e sofisticados instrumentos das nossas orquestras que reproduzem o que imaginamos como música celestial, lamento perceber que caminhamos para uma noite sem perspectivas de um novo amanhecer. Chegamos a um estágio muito avançado em percepção do que poderíamos chamar de essência do belo e, ao mesmo tempo, avançamos perigosamente para o limite do que nosso habitat, o belo e azul planeta Terra, pode suportar. Alastramos nossa voracidade com tal frenesi que, por onde passamos, deixamos um rastro de morte e desolação. A grande massa humana que hoje convive, cada um percebendo apenas suas próprias necessidades, deixou-se cegar pela intensa luz do seu próprio egoísmo.

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