domingo, 29 de novembro de 2009

CONSUMATUM EST

CONSUMATUM EST... (FOLHA DE SCHROEDER 01/06/09)

Gil Salomon

Ruídos. Minha vida é um deserto repleto de sons. Portas rangem. O coração forçando o sangue a me percorrer. Flautas e violinos mozartianos. Cães ladram para a lua que ainda não apareceu. Soluço. Abro meu peito e tento arrancar o sentimento que me sufoca, mas não ouso tocá-lo. A vida não teria sentido sem esse amor temperado com o ardor da paixão. Choro? Sim, choro. Dos olhos fluem lágrimas ácidas que corroem meu rosto. Trago na alma e no corpo as marcas dessa busca angustiante. Atravessei eras a tua procura e agora, que estás há um toque das minhas mãos eu não consigo te tocar. Preciso tanto te abraçar. Meus dedos querem acariciar tua pele. Meus lábios sussurram teu nome. A soma do um mais um, que somos, terá que ser infinitamente maior que dois. Um poeta escreveu que a borboleta é uma flor com uma abelha dentro. Tu és alguém com um anjo dentro. O ser que me habita ama profundamente esse anjo, e o homem que sou ama quem és apaixonadamente. Já não sei o que fazer das minhas longas noites insones, das madrugadas em que caminhas nos meus “entressonhos” e dos dias que se arrastam lentos em direção à noite eterna. Logo sairei para mais um dia, romperei as brumas matinais em direção ao sol, ao céu azul. Curioso como o sol do final de outono se parece com o sol dos primeiros dias de primavera. A diferença é que o sol de outono prenuncia o inverno, dias gelados e solitários, talvez. Quem escreveu a fórmula do mel? Provavelmente foi quem nos inscreveu nessa ópera bufa que é a vida. Tateamos às cegas procurando entender o enredo, mas quando pressentimos um pequeno facho de luz, que poderia clarear as coisas percebemos, também, que as cortinas estão a se fechar.
O apito irritante do guarda noturno invade meus pensamentos dando uma falsa sensação de segurança. Que segurança nós procuramos afinal? Não sabemos nem se nosso coração baterá daqui a alguns segundos, mas nos iludimos procurando sempre a maldita zona de conforto que, enganosamente, nos promete o futuro que almejamos. Grande parte dos que descansam suas vazias cabeças em macios travesseiros não sabe nada além da monotonia dos dias que se repetem. Não ousam nada, apenas procuram se enquadrar nas medidas que lhes são propostas. Sentem o desconforto do leito de Procusto, mas falta-lhes coragem para assumirem quem realmente são.
Torna-te quem tu és, disse Friedrich Wilhelm Nietzsche. Mas quem somos nós afinal? Tantos procuram nos definir, mas raramente paramos para lançar um olhar para dentro de nós. Sufocamos nossos sentimentos mais profundos. Tememos até nossos pensamentos, pois podem, de repente, como um espelho, refletir quem somos realmente. Preenchemos nossos dias com mil sons e imagens. Dopamos e embriagamos nossas almas e navegamos pela vida nos enganando, achando que realmente tomamos as decisões que norteiam os dias tão curtos que vivemos. Trabalhamos avidamente, pois afinal sempre nos falaram que o trabalho dignifica. Acumulamos bens ou dívidas e seguimos curvados pelo peso das muitas responsabilidades que cremos ter. Planos de saúde, aposentadorias, carnês, contas, contas e contas...
Mas eis que um dia abrimos os olhos e vemos parada à nossa frente uma velha senhora, a dona da foice que nos ceifará. Relembramos os dias pregressos e percebemos que fizemos tão pouco, mas então será tarde. Consumatum est... Saímos da vida sem saber se teremos outra chance.

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