PROFISSÃO OU VOCAÇÃO? (FL.SCHROEDER 05/09/09)
Gil Salomon
Sábado. Treze horas e trinta minutos. Agosto. Inverno no hemisfério sul. Sol. Um bando de crianças no campinho ao lado da escola vazia. Grandes cadeados a trancar-lhe os portões. O ginásio de esportes, também trancado, já tem as marcas do descaso com suas janelas e telhas quebradas. Na rua um homem com aparência de cansado tenta consertar um velho fusca. Um carro dobra a esquina em alta velocidade, o som no volume máximo, desvia de uma criança, que nem percebe o quanto esteve próxima de se transformar numa pasta vermelha, igual à de um cachorro que apodrece um pouco adiante. A rua asfaltada sobe o morro e desaparece numa curva. Casas iguais compõem o cenário. Uma igualdade deprimente, mas cheia de vida, vidas. Crianças correndo entre as casas e pela rua. Todas terrivelmente iguais em seus destinos traçados pelos que ficam sentados em salas com ar condicionado. Quer faça calor ou frio, suas temperaturas são sempre as mesmas. No ar a confusão de sons dos televisores, rádios, músicas diversas e muitas conversas.
Estávamos lá, eu e três amigos e parceiros musicais, esperando que aparecesse alguém, da escola ou da comunidade, e nos abrisse as portas para podermos iniciar a oficina de criação literária e musicalização, prevista para acontecer das quatorze às dezessete horas e trinta minutos. Através dessa oficina procuramos levar a poesia para o dia a dia das pessoas e temos como objetivo principal provar que a junção da poesia com a música pode ser uma forma de saudável catarse. Buscamos parcerias com escolas e associações de moradores dos bairros, mas, fora raras exceções, não está sendo fácil convencer os formadores de opinião, principalmente professores, da urgente necessidade de humanizarmos nossa forma de educar através, principalmente, da inserção do elemento artístico e lúdico na rotina da aprendizagem.
Não basta ser um profissional do ensino, pois para realmente prepararmos as gerações atuais torna-se necessária uma forte vocação humanitária e uma enorme fé na capacidade humana, mesmo convivendo com toda a brutalidade que a ignorância pode gerar. Independente da problemática salarial, que sabemos ser um grande problema para quem exerce o magistério, a sociedade precisa de professores e professoras que motivem os alunos a imitá-los em sua busca de sabedoria.
Nossas escolas estão nas comunidades, porém elas ainda não são um elemento ativo nessas mesmas comunidades. Precisamos tirar das escolas essa idéia de “formadoras de bons profissionais e cidadãos” e restituir-lhes sua verdadeira vocação que é a “formação do ser humano completo”. Entendemos como “ser humano completo” quem realmente em seu aprendizado consegue apreender e dar um sentido maior a vida que o simples acumular bens com valor monetário.
Para tanto nossos profissionais do magistério precisam, antes de qualquer coisa, eles mesmos sentir a beleza da vida ou ao menos vislumbrarem a possibilidade de incorporá-la aos seus dias.
Agora já é terça-feira, porém meus pensamentos ainda estão naquela vila, naquela rua. Meus olhos ainda não apagaram aqueles olhares desconfiados, curiosos, ávidos por conhecer algo novo. Durante todo o tempo que ficamos lá, aguardando aparecer alguém, até o momento em que fomos embora, um adolescente ficou sentado numa velha cadeira, próximo ao portão de uma das casas, olhando em nossa direção, ou quem sabe, em direção a escola e aos cadeados que não o deixavam entrar.
Gil Salomon
Sábado. Treze horas e trinta minutos. Agosto. Inverno no hemisfério sul. Sol. Um bando de crianças no campinho ao lado da escola vazia. Grandes cadeados a trancar-lhe os portões. O ginásio de esportes, também trancado, já tem as marcas do descaso com suas janelas e telhas quebradas. Na rua um homem com aparência de cansado tenta consertar um velho fusca. Um carro dobra a esquina em alta velocidade, o som no volume máximo, desvia de uma criança, que nem percebe o quanto esteve próxima de se transformar numa pasta vermelha, igual à de um cachorro que apodrece um pouco adiante. A rua asfaltada sobe o morro e desaparece numa curva. Casas iguais compõem o cenário. Uma igualdade deprimente, mas cheia de vida, vidas. Crianças correndo entre as casas e pela rua. Todas terrivelmente iguais em seus destinos traçados pelos que ficam sentados em salas com ar condicionado. Quer faça calor ou frio, suas temperaturas são sempre as mesmas. No ar a confusão de sons dos televisores, rádios, músicas diversas e muitas conversas.
Estávamos lá, eu e três amigos e parceiros musicais, esperando que aparecesse alguém, da escola ou da comunidade, e nos abrisse as portas para podermos iniciar a oficina de criação literária e musicalização, prevista para acontecer das quatorze às dezessete horas e trinta minutos. Através dessa oficina procuramos levar a poesia para o dia a dia das pessoas e temos como objetivo principal provar que a junção da poesia com a música pode ser uma forma de saudável catarse. Buscamos parcerias com escolas e associações de moradores dos bairros, mas, fora raras exceções, não está sendo fácil convencer os formadores de opinião, principalmente professores, da urgente necessidade de humanizarmos nossa forma de educar através, principalmente, da inserção do elemento artístico e lúdico na rotina da aprendizagem.
Não basta ser um profissional do ensino, pois para realmente prepararmos as gerações atuais torna-se necessária uma forte vocação humanitária e uma enorme fé na capacidade humana, mesmo convivendo com toda a brutalidade que a ignorância pode gerar. Independente da problemática salarial, que sabemos ser um grande problema para quem exerce o magistério, a sociedade precisa de professores e professoras que motivem os alunos a imitá-los em sua busca de sabedoria.
Nossas escolas estão nas comunidades, porém elas ainda não são um elemento ativo nessas mesmas comunidades. Precisamos tirar das escolas essa idéia de “formadoras de bons profissionais e cidadãos” e restituir-lhes sua verdadeira vocação que é a “formação do ser humano completo”. Entendemos como “ser humano completo” quem realmente em seu aprendizado consegue apreender e dar um sentido maior a vida que o simples acumular bens com valor monetário.
Para tanto nossos profissionais do magistério precisam, antes de qualquer coisa, eles mesmos sentir a beleza da vida ou ao menos vislumbrarem a possibilidade de incorporá-la aos seus dias.
Agora já é terça-feira, porém meus pensamentos ainda estão naquela vila, naquela rua. Meus olhos ainda não apagaram aqueles olhares desconfiados, curiosos, ávidos por conhecer algo novo. Durante todo o tempo que ficamos lá, aguardando aparecer alguém, até o momento em que fomos embora, um adolescente ficou sentado numa velha cadeira, próximo ao portão de uma das casas, olhando em nossa direção, ou quem sabe, em direção a escola e aos cadeados que não o deixavam entrar.
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